Cantos de Benquerença e de Saudade.

Novo Livro de Ítalo Gurgel:
DESDE O TÍTULO, SUBLIME INFLUXO

Vianney Mesquita
(Da Academia Cearense da Língua Portuguesa).


Non sono i titoli a illustrare le persone; questi però sono ciò che danno luce ai titoli. (Niccolò di Bernardo dei Macchiavelli, pensador renascentista. Florença, 03.05.1469; 21.06.1527).

AFEIÇÃO E NOSTALGIA

“Para a Tereza est’obra é edificada,
Porque tudo com ela teve início,
Por ela e nela”, o gradil do edifício
Remansa, intato, dês sua fachada.

Da bonomia, matéria é enxertada,
No imo do autor, mestre de ofício,
Logo, do bem denota o frontispício
Duma simpleza personificada.

Erguidamente afeito à língua-prosa,
De inopino, inscreveu-se na poesia,
Com estrofes de erguida urbanidade.

Em dez ictos, pois, nomina e glosa
Ao cortejar, de pronto, a nostalgia,
Cantos de Benquerença e de Saudade.

No dia 26 de outubro de 2024, obtive a mercê de participar das comemorações do quadragésimo sétimo ano de instituída a Academia Cearense da Língua Portuguesa (evento sucedido em 1977, sob a ordem de seu fundador, o inesquecível Professor Hélio de Sousa Melo), tendo por domicílio o Colégio Batista Santos Dumont, aqui em Fortaleza.

Cumpre evidenciar, por conformar sucesso venturoso, consoante as demais ocorrências insertas na ordem do dia, em seção dirigida pelo Professor Marcelo Braga, Presidente da nossa ACLP, o lançamento do primeiro livro de poesias, da agricultura verde do ínclito professor, jornalista, escritor e cultivador de orquídeas, Ítalo Gurgel, intitulado Cantos de Benquerença e de Saudade.

Evidentemente, por não ser azado o ensejo (ainda não experimentei o lance de o ler com detenção), deixo de proceder a comentários mais penetrantes, projetando fazer isso no tempo adequado.

Inaugurativamente, individualizo o fato de esse escritor de tão subidos predicados – morais, intelectuais e outros associados a pessoas credoras de benignidade – haver decidido inscrever-se na esfera desta propensão nostálgica, ajuntando poemas em pés clássicos, conforme sucede com os segmentos/parte do volume sob lábil comentário. Esta ocorrência certifica, incontroversamente, sua capacidade de arrostar a produção de componentes linguísticos próprios desse estalão da Literatura, configurado na ventura do bem poético, ora magnificamente operado pelo autor, a julgar pelas três ou quatro peças por mim transitadas, antes de vir a público na escoliada edição.

Ítalo Gurgel, na qualidade de docente dos patins elevados de estudos e perquisições acadêmicas, sobre haver sido e continuado feito produtor de livros de cariz científico no terreno das ciências literárias e na feição dos ramalhos da História – suas circunstâncias universitárias ao extenso da vida – estampa um cidadão leve, polido, dotado, pela Providência, de uma civilidade propícia a conquistar parceiros e admiradores, complexo de pessoas por ele contabilizado a mancheias. Não é interdito expressar o fato de que estou na dita fila, desde que o conheci nos preteríssimos mil e novecentos e setenta.

Não sei se, de adrede ou por estreme casualidade, imprimiu à denominação de sua novel produção um verso decassílabo lusitano – Cantos de Benquerença e de Saudade – o qual, a ele pedido como suprimento, perfaz meu Afeição e Nostalgia, transferido para cá em sua reverência.

Se sobrou tal deciso de caso pensado, está assente a comprovação de seus haveres poéticos, adicionados ao patrimônio cultural e científico aglomerado no seu fértil portefeuille haurido nos lindes das delongas inerentes ao senhor tempo, desde que chegado a Fortaleza, em 1964, proveniente de Caraúbas-RN, onde nasceu em 1948.

De outra vertente, caso haja sido simples contingência redacional, já se lobriga a normalidade conducente à expressão dos devaneios inspirativos do seu estro, ora concertado no âmbito de Cantos de Benquerença e Saudade.

 Por determinação da verdade, neste passo, impende dizer-se que o Professor Ítalo Gurgel já não é apenas da nata periodista, docente de Língua e Literatura Francesa, bem assim de outros teores linguísticos e jungidos ao saber parcialmente ordenado. Isto porque, nesta hora, vagueja feito um menestrel, cuja substância suntuosamente delineada pelo Prof. Myrson Melo Lima, nas considerações preambulares ao livro em comento (sob minha decodificação) protege a família e os amigos, bem como a estende às melhores proposições, a fim de apregoar sua poética, oferenda não propiciada aos vates mais pequenos.

Nesta produção ítalo-gurgelana, adonde “A família é toda uma galáxia” (e da qual intento, azadamente, me referir com certa profundez de cobertura), transporto o consulente à epígrafe lavrada pelo florentim, mestre e pensador-mor do Renascimento, Nicolau Maquiavel, a quem despejo razões, ao expressar a ideação de que os títulos não ilustram as pessoas, porém estas é que os esclarecem, ao procederem de acordo com o que as titulações exigem.

De tal sorte, é o escritor e agora poeta Ítalo Gurgel quem guarda o mister de prosseguir na concessão da honra aos seus títulos universitários, científicos, literários et reliqua e, extensivamente, às denominações das matérias provindas do seu ardor inventivo. 

Abraço de parabém pela publicação de mais uma obra a engrandecer o recheio literário brasileiro de qualidade, gazofilácio de bens intelectuais de estimação indescartavelmente altiva.

É uma imensa glória ter a oportunidade de escrever essas anotações.

Abraço.

Poema Religioso Cristão

Vianney Mesquita, membro titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa, Cadeira 37 

Factum est autem in diebus illis exiit edictum a Caesare Augusto, ut describeretur universus orbis.
(E aconteceu naqueles dias que foi emitido um decreto por Cesar Augusto, para que fosse anunciado a todo o Mundo)

O arauto do Imperador/O pergaminho descerra, /Com o fim de anunciar/A ordem que o edito encerra, /Mandando recensear/Os habitantes da Terra.[Naqueles dias saiu um edito por parte de Cesar Augusto, para ser recenseada toda a Terra].

De muito recenseamento/Foi Augusto ordenador. /E do Lácio império imenso, /Sendo da Síria o gestor,/Quirino geriu o censo/Como seu governador.
[Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino Governador da Síria].

Era costume do povo/Apresentar-se à contagem/Cada qual em sua cidade, Sem problema de estalagem, /Com pouca dificuldade, / Evitando-se viagem.[E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade].

Nessa, a primeira estatística, / Com José foi diferente:/ Tinha que, de Nazaré – / Pois de David procedente – / Ir até Belém, que é /Onde o Rei se faz semente.
[Ora, José subiu também da Galileia, de Nazaré, até a Judeia, a cidade de David chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David…]

Sendo cepa de David, / José empregou a ideia/ De, com a esposa Maria,/Ir a Belém da Judeia,/ Onde se recensearia/ Cidadão da Galileia.
[…a fim de recensear-se com Maria, sua esposa, que se achava grávida].

Nessa vilegiatura, / Em dias de descansar,/ Quando em Belém se encontrava/ E estando o prazo a findar,/ Eis que a Virgem delivrava,/ Vendo o Pequeno aflorar.
[E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de Ela dar à luz, e teve o seu Filho primogênito,…]

Envolveu o Nato em pano/ E não achando hospedagem, / Recostou-se à manjedoura, / De animais a albergagem/ Que a Humanidade entesoura/ Em tão ditosa passagem.
[…que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver para eles lugar na hospedaria].

Havia na região/ Alguns apascentadores, / Os quais no chão pernoitavam, / Como é mister dos pastores,/ Que depois se transformavam/ Em fiéis adoradores.
[Na mesma região, havia uns pastores, que pernoitavam nos campos e faziam a guarda noturna do seu rebanho].

Porque o Anjo do Senhor, / Juntamente à sua glória, / Cercou-os de muita luz,/ Diz São Lucas na História/ Da Bíblia, que nos conduz/ E não nos sai da memória.
[Apareceu-lhes então o Anjo do Senhor e a glória do Senhor cercou-os de luz, …]

Temerosos de início, / Mas a seguir se acalmaram. / Disse o Anjo: – não temais – / E, atentos, escutaram/ Uma narração veraz/ Que nunca mais deslembraram.
[…e eles tiveram muito medo. Disse-lhes o Anjo: Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria para todo o povo:]

Falou ele: – nasceu hoje/ O Messias, Salvador, / Em Belém lá na Judeia, / Dos homens o Redentor, / Cuja obra giganteia/ Enche a Terra de louvor.[Nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador que é o Messias Senhor!]

Servir-vos-á de sinal/ Um sucesso inusitado:/ Em panos encontrareis/ Um Menino circundado, / A quem vós adorareis, / Pois traz o Verbo Encarnado.[Isto vos servirá de sinal: encontrareis o Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.]

Louvando a Deus, num repente, / Os contingentes sagrados, / Anjos como iluminuras,/ Em telas ricas ornados,/ Deram glórias nas alturas/ E paz aos homens amados.
[De súbito, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra entre os homens do seu agrado.]

Após esse Nascimento, / Mudou o placard da partida, / Transformou-se o coração,/ Transmudou-se a nossa lida,/ Que agora tem por missão/ As glórias da outra vida.
[Não há nada nesta estrofe, a não ser ilações lógicas de qualquer crente acerca do nascimento, vida, paixão e morte de Jesus Cristo, que esteja explícito na Sagrada Escritura.]

NOTAS (Prof. MARCELO BRAGA)
Extraído de … E o Verbo se Fez Carne – textos bíblicos em versos (Sobral: Edições UVA, 2004), com Nihil Obstat de Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques, arcebispo metropolitano de Fortaleza, datado de 27 de setembro de 2003.

Os escritos em corpo menor abaixo das estrofes representam a letra exata do Evangelho de São Lucas, de 2, 1-14, que o poeta transferiu com fidelidade verbal para a grade métrica das sextilhas com versos de sete sílabas – seis estrofes isossilábicas e heterorrítmicas no sistema de rimas ABCBCB.

DOCE ENGANO

 

O doce engano

                        “Em cada coração há uma janela para outros corações”. (Rmi)

                                                          

Na vila dos Corações Feridos, Márcia recebeu um telefonema de sua amiga Mônica e, depois de conversarem por horas, resolveu escrever-lhe uma cartinha. O rapaz do correio não a entregou, porém, no endereço indicado. Na casa de Rita, uma moça desesperançada que vivia pelos cantos, deprimida, Hilda, sua mãe, já tinha perdido a fé de vê-la feliz. Naquela tarde, no entanto, havia algo novo: sentada na varanda, estupefata, Rita abriu o envelope curiosa e começou a ler uma carta.

Amiga Mônica, abre tuas janelas…  São muitas!

A esperança nos remete ao devir. Aquele que deixa sua alma fluir e vislumbra o amanhã, percorre um trajeto instigante. Entretanto só o presente existe no tempo do agora. É o Ser sendo. Lembre-se do que é viver. Existência provisória e essência eterna. Finito e infinito no instante. O fogo divino (a autora).

 

Ouvi atentamente o que disseste das tuas amarguras e indisciplina, de uma ausência de ideações, de um repleto vazio e de cortinas cerradas. A sombra assentava em teu ambiente. Teu telefone pranteava.

Cara amiga, olha pela janela do quarto, observa a noite chegando e o dia nascendo, as idas e vindas da natureza, a harmonia! Ambos, dia e noite, entrelaçam-se na mágica do tempo, no ciclo da vida.

Sabe, uma vez abri as janelas do passado e avistei muitas lembranças, tanto boas quanto tristes. Fechei-as depois. Então, fiquei a pensar quais janelas queria abrir, mas percebi o engano, a ilusão. Eu queria mesmo era abrir as janelas da casa na praia e olhar o mar, os coqueiros. Eu amava escutar a melodia dos ventos e o rumor das ondas derramando-se em choro prateado.

Tem mais, minha amiga: onde moras, no casarão do sítio, as janelas de madeira envelhecida, quando abertas, de um lado, mostram um belo pomar; de outro, a horta da tua tia Vânia. Das de trás, vês o quintal cheio de jarros de plantas medicinais e as galinhas carcarejando. Tens a vista da planície verdejante e da pedra do Velho Tonho, em que ele dormitava e comia milho verde. Lembras-te? Ele ainda mora por aí? Dá notícias!

Porém alcançar o novo, o inusitado, a mudança; deixar-se surpreender exige que te abras às possibilidades e te convertas em conchas plasmando-te no inteligível. Se queres tocar tua alma, tenta… insiste…retira os entulhos do caminho, a areia dos olhos. Quem sabe não poderás ver a face do mistério, outras realidades, as imateriais subjacentes ao cosmo, que transcendem o mundo concreto, penetram na essência do nosso Ser?! São as que abrem para dentro, deixando a luz interior aclarar os cantos e recantos, onde o coração dança e repousa. São reveladoras!

Ao abrir essas janelas, tenta escutar a ti mesma, aos teus silêncios, à tua voz interior, aos teus sons ocultos. Já dizia Cecília, “Faze silêncio no teu corpo. E escuta-te. Há urna verdade silenciosa dentro de ti. A verdade sem palavras”.  Busca, pois, penetrar na fresta da janela, onde a lucidez margeia a alma plena do amor, conjugando o verbo esperançar.

Não estás só! Somos vários e somos UM. Sente o calor da humanidade, a metafísica do poema mítico, a sinfonia da natureza, consolidados nas ideias sublimes. Elas nos elevam e acendem as estrelas no cosmo inefável.

Olha ainda para além das janelas, num percurso aos céus, e conseguirás, com tua vontade, enxergar um caminho de fulgor extasiante. Podes tentar! Quem sabe?! Cruz e Sousa, em sua poesia, expressa que “A dor transcendentaliza”.

Amiga! Tua consciência se firma no entendimento de ti. O todo está em nós. Busca a sabedoria com inteira gratidão em todas as coisas!

Eu fiz um percurso assim, e é inexplicável!

Eu estou aqui, à espera da tua palavra! Liga se puderes.

Beijos.

Márcia

Terminada a leitura, o riso alarga-se no rosto de Rita. Conhecidas as duas mulheres, seu corpo eleva-se, e, olhando para sua casa, observa o quanto é um cinza, um “cinza das horas”! Então abre as janelas, deixando a luz entrar.

Nesse mágico instante, da varanda, a moça percebe, na vila de casas, grades nas janelas, olhos embaçados de velhinhas sentadas em cadeiras de pequenos terraços. O açude se rompe, os olhos se encharcam na barca-vida, na consciência do eu! E ela abarca a vida, dá-se conta do belo, da musicalidade dos ventos cantantes no fim da tarde.

Respira e mantém a calma!   Segura o telefone.

 

 

 

 

 

 

 

AFOGO

Nos tormentos rugosos, as lágrimas afligidas
Na caverna secreta, os ocultos aferros agudos
No traiçoeiro labirinto, o incômodo do instante
O chão árido, fere sem dó os pés caminhantes

Assim vê a noite fosca, alga umbrosa e fria
O percurso abre vias e desvios sem contorno

Opaca, sombria e sem o luzeiro, um guia

No inestético solo, caminho cruel e soturno

Aguarda o termo da erupção do vulcão interior
da lava que queima o recôndito da alma sofrida
dos pensamentos que afligem tal matéria doída
Nutre de esperança a infinda fé nascida da dor

Regina Barros Leal

O Poeta

No verbo, flui o singular eu lírico

Na trilha, a inacabável busca de si

No verso, a eterna verdade da vida

No rosto, a suave lágrima vertida

O poeta vê o finito e o infinito contínuo

Sente alegria, no indizível som divinal

Na mística, os afáveis símbolos eternos

Na essência, a busca da alma imortal

O poeta verseja a fé e segue o seu coração

Chora a partida na triste e inefável canção

Acende o fogo divino, pleno de esplendor

Irradia a esperança no belo verso de amor

Regina Barros leal

Soneto encadeado

compor um poema

Vianney Mesquita, membro titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa, Cadeira 37

Soneto Encadeado

PSEUDOCONHECIMENTO

                                           Vianney Mesquita*

A Ciência não passa do bom senso exercitado e organizado.

                                                                             (Thomas Huxley).

RESUMO

Demanda facilitar a leitura do poema expresso no final do texto, recorrendo ao conhecimento geral obtido em estabelecimentos formais de ensino médio e universitário lato e stricto sensu, sem nomear nenhum autor, por desnecessário. Indicam-se as diversas escalas do saber, com suporte, principalmente, nas lições do filósofo das ciências Karl Raimund Popper, ao se reportar à ideia de Platão, conformada na Teoria dos Mundos.

Palavras-chave: Saber popular. Conhecimento Científico. Três Mundos, de Popper.  

ABSTRACT

It seeks to facilitate the reading of the poem below, resorting to general knowledge obtained in formal high school and university lato and stricto sensu establishments, without particularizing any author, for being unnecessary. Several scales of knowledge are indicated, with support, mainly, in the lessons of the philosopher of science Karl Raimund Popper, when referring to Platos’s Theory of Worlds.

Kew words: Know Popular. Scientific Knowledge. Three Worlds by K. R. Popper.

1 Senso Comum

      No tentame de facilitar a leitura e a decodificação do poema-título desses comentários, procedemos a lábeis interpretações atinentes aos diversos saberes, com suporte no nosso semiaparelhamento didático-histórico, haurido em estudos acadêmicos formais, em sala de aula e leituras plurais de domínio público, de sorte que, para esta escrita, não nos louvamos em quaisquer peças autorais a que legalmente devamos referência.

      Aparentemente, talvez, resulte sobejo exprimir, para audiências tão bem aparelhadas como soem ser nossos leitores – porém não perfaz nenhum ato transgressor – o fato de que o senso comum ou communis opinio significa a maneira de se entender as coisas, denotando ideações comumente acatadas pelo maior contingente de pessoas.

      O modelo retrata o conhecimento granjeado pelo ser humano, com amparo em observações do seu ambiente em todos os tempos. O senso geral – assim também divisado – assinala-se por conhecimentos rotineiros (empíricos) durante a vida inteira de uma pessoa, que, a seu turno, transmite essas ideias, recebidas de seus antecessores, aos próprios sucessores, de geração em geração, as quais comunicam à sua descendência e, deste modo, sucessivamente.

Dito saber (componente do Mundo 1, pressentido pelo filósofo da Ciência, o austríaco Karl Raimund Popper, com suporte na Teoria dos Mundos, de Platão) não está assentado em metodologias nem inferências oriundas da ciência – o chamado saber ordenado – mas é adquirido na assimilação de informações e saberes procedentes da vida cotidiana, sendo, entretanto, fonte de procura da ciência, presidida pelo método.

2 O Senso Crítico

      Convém adiantar, por ensejado, a noção de que o senso comum difere daquele de teor crítico, este assentado no pensamento reflexivo e na demanda de caráter científico por parte dos pesquisadores.

      Como manancial para a ciência, a qual, também, normalmente, não é definitiva na maioria dos seus sub-ramos, o saber geral o é apenas por enquanto, nunc enim, passível de ser desacreditado pela intervenção de um fato novo advindo das investigações procedidas pelo ordenamento epistemológico, eo ipso, transitadas pela metodologia no âmbito dos ditames da Filosofia das Ciências, da Epistemologia.

      Feito reflexão acerca do real latente (Mundo 1)então, o saber comum é transferível para o estádio do Mundo 2 popperiano, pois, nesse patim, já experimenta curso a concepção de um juízo, a conceição de um discernimento dotado de circunstâncias históricas.

      A communis opinio resulta, pois, assistemática, porquanto despossuída de organização prévia, sem amparo em postulados, teorias, leis e outros segmentos de procura científica lógicos, congruentes, sem conservar ligações comunicativas. Estas circunstâncias, de que o senso comum é órfão, pertencem, por conseguinte, ao conhecimento sistemático (já postado no Mundo 2 popperiano), constituinte de base da ciência. Esta, por sua vez, possui (ou não) comprovados, por via de uma conjunção de experimentos e exames sob metodologias, seus sistemas (ou teorias), proposições e suposições prováveis – estas, as hipóteses.

3 O Estatuto de Ciência

      Quando, então, o resultado de um pensamento ou da indústria etnológica de cada um assume configuração de peça socializada, tecida em mensagem massivamente propagada, passa a ter existência própria, como um produto objetivo e excogitado pelo próprio ensaísta-pesquisador, sujeito, portanto, a uma análise crítica, porém, passível de defeitos, suscetível, por conseguinte, de revisões, adendos, consertos e aperfeiçoamentos, recriações, enfim, a ciência, sujeita a esses percalços; bem menos o são, todavia, as ditas exatas, como, verbi gratia, os conhecimentos matemáticos. São as chamadas Coisas Imperfeitas, as quais habitam já o Mundo 3 de Karl Raimund Popper.

4 A Teoria dos Três Mundos 

(exageradamente sucinta)

Karl Raimund Popper, austríaco e naturalizado inglês (Viena, 28.07.1902 – Kenley – UK, 17.09.1974), desenvolveu esse sistema, na esteira da ideação platoniana da Teoria dos Mundos, com o escopo de esclarecer a relação corpo-mente. Então, neste passo, sem dever se examinar com profundidade os meandros desse sistema – e até pelo fato de a expressa teoria não haver logrado fazer com que se entenda na totalidade esse vínculo – resulta a ideia de que o Mundo 1 é o locus das ocorrências físicas, das substâncias, dos campos e do que há de material no Globo, onde residem, também, os entendimentos do senso comum ou a mais de uma vez aqui referida communis opinio.

      Na sequência do Mundo 2, descansam as ocorrências reflexivas, as práticas conscientes, subordinadas aos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e gosto). Aí está, principalmente, a cabeça, o cérebro, afirmando-se toda a consciência, evidentemente, humana, onde se aloca, para o objetivo dessas linhas, o conhecimento sistemático, por assim exprimir, o prelúdio do saber de ciência, a “pré-ciência”. Vem o terceiro estádio, configurado no Mundo 3, das criações objetivas do cérebro, incluindo os feitos estáveis das realizações do ser humano, como depuração dos dois mundos anteriores. Aqui se dispõe a atividade de procura e descoberta dos fatos científicos – o Universo Popperiano Três.

      Com este apressado, incompleto e talvez desasado comentário, tenta-se facilitar ao leitor a decodificação do soneto à frente, com rimas encadeadas – o que concede mais estesia aos pés consoados – o qual constitui um dos recheios de produtos da mente, como expressão linguística aposta no derradeiro estádio da (mal) escoliada teoria de Popper.

PSEUDOCONHECIMENTO

Fantasias, mentiras sob lógicas,
Isagógicas sobre as audiências
Pseudociências fenomenológicas,
Morfológicas desobediências.

Conheceres fingidos das potências,
Carências antropossociológicas,
Filológicas falsas congruências,
São coerências amplamente alógicas.

A tal grade, v.g., estão avessos
Os adereços da Ciência Exata,
O cimo, a nata do saber mundano.

E, neste plano, saltam os endereços,
Sem desapreço nem quaestio (vexata),
N’ata do Mundo 3 popperiano.