RAIMUNDO DE ASSIS HOLANDA, membro titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa – Cadeira nº 22
Minha mãe criava galinhas, galinhas de capoeira, para uns, galinha pé duro, para outros. Não conto as vezes em que saboreamos galinha à cabidela, com pirão de farinha de mandioca. Prato apreciado em todo o nordeste brasileiro. Ingredientes deste prato: pedaços de várias partes da galinha, ensanguentados com o sangue da penosa.
Mamãe sabia
com maestria preparar um capão. Coitado do franguinho. Com faquinha bem
amoladinha, ela extraía os quimbas do galinho. Ficava este confinado no
chiqueiro, para engorda.
Miguelino
adora capão. Mora ele nas brenhas do sertão nordestino, em casa de taipa,
construída em um capão de mato. Era homem trabalhador, da roça. Ágil no
manuseio do machado e da foice. De repente, o roçado estava pronto para a
semeadura de milho e feijão. Jerimum e melancia cresciam no barreiro,
depositário de casca de banana, manga, caju, formando, com o tempo, composto
orgânico. Daí, os nutridos jerimuns caboclos e de leite, e melancia, doce que
nem mel.
Miguelino,
de namoro firmado com Roseli, moça fagueira, cabelos de graúna, caídos até a
cintura. Os pais consentem namoro, mas Miguelino não ia amassar banco por muito
tempo. O fato é que logo casaram.
Os noivos
foram festejados com dois saborosos pratos: galinha à cabidela e cevado capão.
Nos idos do
século XX, nas brenhas do sertão nordestino, era costume: a noiva ficava uma
semana retida na casa dos pais. Lua de mel só depois desse período.
Roseli era
perita nos bilros. Tecia lindos Ós, rendas, de vários desenhos. A venda do
produto auxiliava na manutenção da casa. Os meses foram passando, na contagem
da vizinhança, mais de nove meses, e nada de a barriga de Roseli aumentar. Aí
começam os titis. Onde estará o problema? Nele ou nela?
Em segredo
com as amiguinhas, confidenciava ela que o ritual era seguido à risca.
Nesses dez
meses de casada, mensalmente, a regra aparecia.
Roseli
consegue convencer Miguelino a procurar médico. Teria que se deslocar até a
cidade mais próxima, distante cinquenta quilômetros.
-Home,
procura um médico, aliás, vamos os dois. O médico nos examinará e descobriremos
se o “defeito” está em mim ou em ti. E assim foi feito.
Após o
exame de Roseli, o diagnóstico sugere que ela não tem nada que impeça uma
gravidez.
Causa da
infertilidade está em Miguelino. O médico chama-o de lado e diagnostica:
–
Miguelino, o amigo é capão.
Retorna à
casa, junto com a mulher, mas muito capiongo. Uma tristeza que fazia dó. O
dilema: o que vou dizer para Roseli?
Um dia,
tomou coragem, chama a mulher na camarinha e dá-lhe a notícia. Roseli arregala
os olhos, cheia de surpresa, sai-se com esta pérola:
– Foi tua mãe
quem fez isso quando tu eras garotinho?
(Assis Holanda – Agosto de 2019)