Para além da cacofonia: a semiótica e a produção de sentidos
As considerações deste texto foram elaboradas na introdução de um relatório técnico sobre a produção de um podcast, num curso de Comunicação Social – RTV. Esse produto recebeu nome e grafia de PodRiso. E As orientações apontaram para o neologismo, e para como deve ser pronunciada a nova palavra. Comecei por uma explicação apontada para a grafia transgressora, que, ao mesmo tempo, serve à (ou serve de) identidade visual do produto recém-criado. Com algumas adaptações, fiz este recorte, e contextualizo-o, aqui, como uma reflexão para a Hora do Vernáculo. Expus naquela introdução o que segue nos próximos parágrafos, à exceção do último, que tem por finalidade concluir este breve recorte.
Antes de qualquer outra consideração, é pertinente explicar por que se criou a palavra PodRiso, assim mesmo, com essa grafia que extrapola os processos de formação de palavras da língua portuguesa. Há nisso propósitos mais semânticos e semiológicos do que morfológicos. Mas é bem verdade que esses propósitos não se alcançariam se a palavra não tivesse tal morfologia.
O primeiro elemento da estrutura, [pod-], diz respeito ao produto que representa (podcast). O segundo elemento, [-riso], diz respeito à área temática que remete ao conteúdo do produto. Quer dizer, o riso, com seus requisitos ao cômico e ao humor. Quanto ao R maiúsculo no meio da palavra, a finalidade é orientar a pronúncia, marcando bem o encontro dos dois elementos da estrutura, bem como o que resulta desse encontro. E ainda, além desse resultado, desvia da mente a pronúncia inevitável, mas indesejável para nosso produto, se a grafia fosse com essa letra minúscula, ou, ainda, em caso de uma escolha por caixa alta, com todas maiúsculas.
O R maiúsculo no meio já causa estranheza, e ao mesmo tempo, provoca uma pausa para a percepção de qual pronúncia emitiria algum significado plausível. Isso foi intencional. Quando a palavra é pronunciada, soam cacófatos propositais como (pó de riso) ou (pode riso). E o que isso tem de coerência? No primeiro caso, considerando-se que pó resulta da fragmentação de sólidos, pó de riso, entre outras coisas, pode significar fragmentos de riso ou riso fragmentado (que pode penetrar tanto nas frestas mais apertadas, quanto se espalhar pelos ares, levado pelo vento), por exemplo. No segundo caso, é possível remeter a, apenas, uma permissão para rir ou produzir riso. Assim, pode riso traz em si a possibilidade de remeter a uma liberdade de expressão, e de expressar-se pelo cômico e pelo humor. Pode riso pode ser uma chancela que diz: abaixo a toda repressão que suprime o riso.
Se a grafia dessa letra seguisse o curso natural da língua (em minúscula) resultaria em algo nefasto que não levaria a nenhum reflexo da realidade, pois nada significaria. Não haveria nem mesmo cacofonia. Numa formação normativa da escrita da língua (podriso), desapareciam os significados dos elementos formativos (pod+riso). Consequentemente, desapareceriam junto as significações compatíveis com o produto e os desdobramentos do seu conteúdo. Aliás, tudo se perderia aí, pois podriso não pode ser palavra, justamente porque lhe falta significado. Certamente, ao ser lida, essa sequência de letras soaria algo como (po-dri-so). Mas, e aí? Aonde isso leva, se nada significa? Exatamente ao que qualquer um pode pensar: a nada.
É oportuno lembrar que, ao usar dessa engenharia, não é intenção nossa enquadrar esse neologismo em um processo de formação de palavras normalizado gramaticalmente, mas sim apresentar um recurso, de certa forma, artístico, de produção de sentido. Uma transgressão, é isso que é. Não escolhemos um nome para o podcast que propusemos produzir. Em vez disso, pesquisamos possibilidades até chegar ao que comunicaria exatamente o que pretendíamos dizer, e lhe criamos um nome. A originalidade e a comunicação do PodRiso com as linguagens da arte e da semiótica, dentre outras linguagens, portanto, podem ser observadas e descritas já, de saída, pelo próprio nome PodRiso.
Enfim, seguiu-se, para o batismo desse podcast, ainda que sem muito pensar nisto, uma constante histórica do mundo das invenções e da criação das coisas, a qual observei em outro momento de vida. Certa vez, numa aula de português instrumental, numa turma de Segurança do Trabalho, observando a dimensão tecnológica do hipertexto, lancei a observação, e os alunos se deram conta também de que, para cada invento, pelo menos, lançado no mundo, lançou-se junto um impacto nos vernáculos. Isto, no entanto, é outra pesquisa, oportuna para outra Hora do Vernáculo.
Professora Gorete Oliveira
(Texto para ser apresentado na Hora do Vernáculo da reunião da ACLP de 25 de março de 2021).
Fortaleza, 24 de março de 2021.