ACADEMIA CEARENSE DA
LíNGUA PORTUGUESA

dulcisonam et canoram linguam cano

O Latim e o ensino da Língua portuguesa

RAIMUNDO DE ASSIS HOLANDA, membro titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa – Cadeira nº 22

1. O Latim e os dialetos – Breve retrospectiva

O Latim, enquanto idioma, existia desde os tempos pré-históricos, porém foi a partir do século III a. C. que passou a adquirir uma forma literária, construindo-se aos poucos uma gramática com regras explícitas, cuja consolidação se deu por volta do século I a. C., que é considerado o período clássico do latim.

Ao lado do latim clássico, falado e escrito por pessoas letradas, havia o latim popular, latim vulgar, que assumia formas livres e sem a precisão de regras gramaticais, língua falada por pessoas do povo, a plebe.

Deste latim popular, originaram-se as línguas românicas, ou neolatinas, dentre elas, o português, o espanhol, o francês, o italiano.

A partir do século III d.C., com a expansão do cristianismo, a língua latina, com influências eclesiásticas, predominou no ensino do latim, até o início dos anos 60. O latim passa a ser considerado língua morta. Nas palavras de João Bortolanza (UFMS): “com isso, o que morreu foi a diacronia do português”. 

Com a reforma do ensino brasileiro, através da lei nº 4.024/61, o ensino do latim deixou de ser obrigatório nas escolas brasileiras. No Liceu do Ceará, o latim permaneceu até 1966. Neste período, tive a oportunidade de ser professor da Língua latina, nesta afamada instituição de ensino.

Neste trabalho, longe de saudosismo, mas, para nós, professores da Língua Portuguesa, em determinadas situações da sala de aula, é imprescindível, pelo menos, um pouquinho de conhecimento da língua latina. Certa feita, a palavra lunático apareceu em um texto. E o aluno quis saber o significado de lunático.

– É aquele que vive no mundo da lua, respondi.

– Por que não é luático? Ponderou o aluno.

Recorri ao latim para melhor explicar-lhe. Em latim há a palavra luna que, da sua passagem para o português, sofreu a desnasalação. Desse radial latino, temos a palavra lunauta, isto é, aquele que viaja à lua; lunário, refere-se ao calendário das fases da lua; mês lunar; alunar, pousar na lua, alunissar; o astronauta fez uma alunagem.

2. A presença do latim no léxico português

Convém salientar que o latim está presente no léxico de outras línguas, como no inglês. Kook, (ferver), do latim coquere; Father e mather, do latim pater e mater…

Nas lides religiosas, existe o responsorial, que são cânticos, em que várias pessoas se alternam nas respostas. Existem responso, (responso de Santo Antônio), responsório, responsorial, responsabilidade, responsável, responsar, responsivo são palavras de origem latina, isto é, do supino responsum do verbo latino respondere.

Como vimos, o latim está presente em nosso léxico. Constata-se isso também nos alomorfes concorrentes. Destes radicais latinos, Equus,(Nom.) Equi(Gen.) (Equi  – Egu(alomorfe) – Cavalh (caballus)  forma-se extensa lista de família de palavras: equino, equitação, equícola, égua, eguada, eguar, eguariço, cavalo, cavalgar, cavalheiro, cavaleiro. A propósito de égua ser feminino de cavalo, não recordo onde li, um aluno quis saber da professora por que égua é feminino de cavalo. Resposta da professora: vá perguntar a ela.

Mais alguns exemplos: vejamos a família de Pater (patris,) e Mater(matris), incluindo sua evolução para padre, madre.

A lista de raízes primitivas é intensa: paterno, paternal, paternidade, paterino (antiga seita religiosa que admitia como única oração o pai-nosso), paternalismo, patrono, pátria, patrimônio, patrilinear (descendentes do lado paterno), patrologia (estudo dos padres da igreja, coletânea de obras dos padres), padroado (direito de protetor que fundou uma igreja); padrinho, apadrinhar, apadrinhamento.

Da palavra mater, temos maternidade, maternal, materno, matriz, matricial, matricida, matricídio, matrilinear, matrilocalidade, (segundo costume, os noivos vão morar com a mãe do noivo) mátrio,…Do radical latino, dá-se a evolução para madre, madrasta, madrepérola, madrinha, amadrinhar.

De forma bastante acentuada, do genitivo latino formam-se palavras na língua portuguesa. Alguns exemplos: Iter –itineris  itinerário, itinerante.

Pecus – pecoris: pecuária, pecuarista, pecuário.

Caput – capitis: capital, capitalismo, capitão, capitaneado, capitólio, capuz, capelo, capacete.

No aspecto fonético, o latim faz-se presente. Lembremo-nos dos metaplasmos. Veja o exemplo: nocte, ablativo de nox, noctis, nocte >noite. Caso de ditongação ou vocalização. Viride, (verde), do radical latino tem-se virente.

Breve mostra da influência latina no aspecto morfológico do português. Seria mesmo acrescentando-ES que se forma o plural dos nomes terminados em R, Z, S (oxítonos)? Na evolução de doctorem (ac.) e doctores, dá-se a apócope primeiro do M e depois a vogal temática –E, de nomes da terceira declinação, que se mantêm antes do morfema –S do plural. Rapaz –rapazes; chofer – choferes; Ás –  Ases. Em rapazes, choferes, ases, o E final analisa-se como vogal temática. Só lembrando: analisando morfologicamente, no singular há uma vogal teórica.

Quanto ao aspecto sintático do Português, a estrutura frasal é semelhante à do latim, com esta observação: a ordem da frase latina permite inversão, sejam anástrofes, hipérbatos ou sínquises.

V.g. Amat pater puellam/ puellam pater amat.

Em português: o pai ama a menina.

Conclusão: que o latim não seja disciplina obrigatória no currículo escolar é aceitável, mas nos cursos de Letras, formadores de professores de português, tem-se a lamentar.

Bibliografia:

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa – Edição revista e ampliada, Editora Lucena, RJ. 2001.

BERGE, Dr. Fr. Damião Berges, O.F.M.et ali. Ars Latina,-Gramática. Editora Vozes, Petrópolis,R.J. 1956.

______________et ali. Ars Latina – Exercícios latinos, terceiro volume, Editora Vozes, Petrópolis, R.J. 1956

BORTOLANZA, João. O Latim e o ensino de Português – artigo.

CARPINETTE, Luís Carlos de Lima. A presença do Latim no ensino fundamental – palestra – google – 2008

COUTINHO, Imael de Lima. Gramática Histórica, 4ª edição.

ERNESTO, Faria. Dicionário escolar latino português. 6ª edição, 5ª tiragem, FAE, RJ. 1992.

FIRMINO, Nicolau. Dicionário Latino Português. 3ª edição – revista e aumentada – Edições Melhoramentos,

TORRINHA, Francisco. Dicionário Português Latino, 2ª edição, Editorial Domingos Barreira, Porto, 12 de agosto de 1939.

(Trabalho apresentado na sessão ordinária de 28/06/2019, no capítulo “Hora do Vernáculo”.)

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